quinta-feira, 25 de março de 2010

Minha vida de Charlie Brown


"Peixe fora d'água, borboletas no aquário" (Humberto Gessinger)

       Eu era a criança melancólica que não corria, não soltava pipa, não brincava de "bulita", não jogava futebol por não aguentar correr, era o alvo de risadas por não saber manusear bem um lápis de cor na idade em que todo mundo fazia belos rabiscos, gostava da parceria dos livros, era o menor da turma, e não sabia nadar.
      Continuo não correndo, soltar pipa na minha idade não vai pegar bem, e a ausência do futebol na minha vida eu compensei quando descobri que era músico, não sei o que são cores primárias e não sei sequer desenhar uma linha reta num papel e continuo não sendo o maior de qualquer turma que participe. Já tive medos bizarros como medo de subir em escada rolante... esse eu superei a pouco tempo atrás, mas sobre não saber nadar e o medo da água e de gente aglomerada ao redor dela... é... esse medo ainda resiste.
      Tudo começou em Guarapari, no Espírito Santo, quando eu criança diante daquela imensidão de mar "fui pra galera" e respirei água salgada. Depois, na adolescência, como se não bastasse o complexo de não querer exibir o corpo, um idiota me empurra na piscina, e respirei água doce. De lá pra cá...
  
      Domingo, piscina, sol de final de verão, alegria, som alto, e o que eu mais queria além de distância da água, era meu violão. Mas já que ele não estava lá, peguei o celular, e a primeira do "aleatório" foi "Smoke on the water" (na versão do Sepultura) - que é uma música que não combina muito com esse tipo de cenário, mas tudo bem, visto que eu também pareço não combinar muito.
      Aí consigo ler a legenda do pensamento das pessoas me chamando de anti social... não é culpa minha meus caros, mas não pretendo cair na água tão cedo. Ainda fico lá, parecendo um peixe fora d... não!... porque lugar de peixe é na água mesmo...
                                                               *(suspiro)*... "Que puxa!"
  
(AlexSandroBambiL)




       Eu tenho um ermo enorme dentro do olho. Por motivo do ermo não fui um menino peralta. Agora tenho saudade do que não fui. Acho que o que faço agora é o que não pude fazer na infância. Faço outro tipo de peraltagem. Quando eu era criança eu deveria pular muro do vizinho para catar goiaba. Mas não havia vizinho. Em vez de peraltagem eu fazia solidão. Brincava de fingir que pedra era lagarto. Que lata era navio. Que sabugo era um serzinho mal resolvido e igual a um filhote de gafanhoto.
Cresci brincando no chão, entre formigas. De uma infância livre e sem comparamentos. Eu tinha mais comunhão com as coisas do que comparação.
Porque se a gente fala a partir de ser criança, a gente faz comunhão: de um orvalho e sua aranha, de uma tarde e suas garças, de um pássaro e sua árvore. Então eu trago das minhas raízes crianceiras a visão comungante e oblíqua das coisas. Eu sei dizer sem pudor que o escuro me ilumina. É um paradoxo que ajuda a poesia e que eu falo sem pudor. Eu tenho que essa visão oblíqua vem de eu ter sido criança em algum lugar perdido onde havia transfusão da natureza e comunhão com ela. Era o menino e os bichinhos. Era o menino e o sol. O menino e o rio. Era os meninos e as árvores.

(Manoel de Barros. Memórias Inventadas. A Terceira Infância.)




quarta-feira, 24 de março de 2010

Por um fio



A linha do horizonte diante dos meus olhos se estica.
Essa linha junta a terra, o firmamento e as nuvens de véu,
Por um fio nessa saudade que aqui fica,
A corda não aguenta e rasga a quimera no meu céu.

A linha do horizonte adormece este olhar,
Que busca o teu que quem sabe além,
Depois deste azul que some devagar,
Pode estar também o meu a procurar.

É vermelho, branco, azul...
É rosa do meu planeta que conto as cores.
Órion se vai no inverno, fica o Cruzeiro do Sul.
Te encontro pelas estrelas ou pelo pólen das flores?

A linha do horizonte toca o céu e o chão,
Ah anjo! essa linha que não une mortais.
Quando mais te verei, meu coração?
Seca essa lágrima que cai, quando além deste horizonte te vais.

(AlexSandroBambiL)

É fogo!


"...é fogo que arde sem se ver; É ferida que dói e não se sente..." (Camões)


Azul, verde, vermelho, arde!
É fogo!
Inflama e se ateia cá dentro,
Mesmo que haja neve sobre as palavras indiferentes.
É ausência, é tema de poeta...
É fogo!
Salivando as línguas dessas chamas, desse cheiro caloroso onde a alma deseja se queimar...
Acenda o rastro de pólvora que deixei! E me abrasa forte!
A boca que chama por ti seca, tenho um coração em chamas, nas mãos,
É suor e sangue murmurando sua ausência mesmo em presenças sobrenaturais.
Me chama que consome...
Chama pra me consumir devagar.

(AlexSandroBambiL)
foto extraída do site: www.chromasia.com

"Sol e chuva... não me importa casamento de quem é, prefiro as nuvens de chumbo."
(AlexSandroBambiL)

terça-feira, 23 de março de 2010

Chuva de Outono




"Volto a casa. Que tristeza! Inda é maior minha dor… Vem depressa. A natureza só fala de ti, amor!" (Florbela Espanca)


Agora a chuva umedece as paredes pintadas,
O tempo é linear, minhas letras e canções caladas,
Estalam nesse vento que entra gelada infelicidade
E racham a pele seca de saudade.

Acalenta-me flor! Antes de meu sorriso findar.
Posso sem asas em teu céu púrpura voar...
Anjo! Suspiro teus olhos diamante,
Teu sorrir é a liberdade de uma vida ofegante.

Canções que te tocam me chamam,
Choram, calejam, os dedos inflamam.
Cortante vento de assovio fino,
Frio, mesa, café e cappuccino.

Lágrimas empilhadas sem sincronia,
Hirto, antes prefiro a hipotermia
Do que sufocar o sofrer!
Por ti vivo tantas vezes for, pra de saudade morrer.
(AlexSandroBambiL)

sexta-feira, 12 de março de 2010

Música que ninguém vê


Como uma flor a seu perfume, estou atado à tua lembrança imprecisa. (Plablo Neruda)

Alguns acordes exigem silêncio...

Como quando sorri, é algo tão lindo que os sons a sua volta parecem sumir.

Alguns silêncios são sinfonias...
Exigem que se faça necessário o que não é música diminuir.

Algumas músicas exigem silêncio...
E algumas canções possuem notas fermatadas por uma saudade daquilo que não existiu.

Alguns solfejos são esse silêncio manifesto...
Como quando tento debalde entoar a canção que soa em mim quando te vejo passar, em arranjos que ninguém jamais ouviu...

Alguns acordes surgem dessa saudade semitonada...
E quando caminhas parece o fazer sob uma trilha sonora, de uma canção só sua que vem até mim,
E ouço como se me fosse todo coração ouvido e toda sua melodia viesse acompanhada em tons de jasmim.

Alguma saudade desafinada me exige que te transformes em partitura de canção amorosa...
No silêncio dissonante, tua ausência cria em mim uma canção...
Tão melodiosa, tão fina, mas tão grandiosamente dolorosa,
Que mal cabe na mão, na voz... nas cordas do violão.

AlexSandroBambiL

sexta-feira, 5 de março de 2010

Lugar sem nome


"Eu grito a minha dor, a minha dor imensa! Esta saudade enorme, esta saudade imensa" (Florbela Espanca)


Assentado num lugar sem nome,
A queda é Dante!
A saudade acerta a vida inteira,
O olhar errante.

E as ilusões impublicáveis da minha mente
Não foram cuspidas boca afora;
São tantas entradas quando me abres a porta de repente
Mas meu tempo demente é todo teu sempre e agora.

Aquece, talvez em todo outono verão que
Sem ti há só inverno cá dentro em todo lado.
As folhas grudadas na mente e no meu corpo são,
Nostalgias aladas ferindo um Prometeu calado.

Ah! Poesia que lá numa flor lançou meu coração,
Impetuosa sussurrou: “Vá buscar, bicho homem!”
Ficou lá pra onde meus sons e silêncios entoados são
Nas pétalas pra onde meus versos escorrem e se escondem.

AlexSandroBambiL

Os opostos...


Eu paixão
Ela poesia

Eu inverno
Ela primavera

Eu elucubração
Ela perfeição

Eu rocha
Ela diamante

Eu cappuccino
Ela café

Eu frio
Ela chuva

Eu passado
Ela pretérito mais-que-perfeito

Eu escrevendo
Ela deslendo

Eu moleque
Ela moça

Eu tela
Ela tinta

Eu Coca
Ela suco

Eu ogro
Ela fada

Eu lágrima
Ela sorriso

Eu tempestade
Ela neblina

Eu guitarra
Ela violão

Eu plebeu
Ela nobre

Eu brisa
Ela vento

Eu reticências
Ela vírgula

Eu palavra
Ela rima

Eu sustenido
Ela bemol

Eu mar
Ela farol

Eu abelha
Ela flor

Eu sempre ela
Ela sempre em mim... sempre.

AlexSandroBambil