segunda-feira, 16 de setembro de 2019

Nicles

Em grau nenhum
Jamais
Em momento algum
Nicles
De modo algum
Patavina
De maneira alguma
Nada
Nunca
Está bom

asb

domingo, 15 de setembro de 2019

3 dias

Eu prefiro te chamar de pressão alta, dor de cabeça, crise renal ou qualquer coisa que evite os outros perguntando sobre o que você faz, minha desgraça.
Eu prefiro passar o final de semana todo entocado a deixar à mostrar as olheiras pretas, as rugas fundas, os cabelos ralos, os quilos e as marcas até na barba que você deixa, Morana.
Eu prefiro falar que não foi nada do que ter que desatar esse carretel que nós dois juntos entrelaçamos.
Eu prefiro pensar que morrer em breve pode cessar a vergonha de ter me tornado um menos na escala de nada na vida e sei que você se ri disso, Morana, a cada vez que me joga na cara os policiais, o engenheiro, o gerente, os advogados, o bombeiro...
Que inferno, Morana! Não há sequer três dias de trégua! É toda semana isso!
Enquanto isso o corpo deixa fora as marcas de dentro como pontas do iceberg que cá dentro gela, cresce, queima, adormece e sufoca.
Eu prefiro fazer com que pensem que sou bom músico, bom moço -  pois ainda há quem possa ser engodado por essa visão sem notar o bolor preto que tua umidade causou.
Sem trégua, sem piedade... eu prefiro acreditar que morrerei por tua causa e junto a ti, sem jamais ter no mínimo três dias de trégua.

quarta-feira, 26 de junho de 2019

Fuligem



Cinza e fuligem
dos restos
de ontem
Tampa a coragem
Da vida
da fome
Fuligem
voando,
fugindo,
por todos 
os lados,
correndo.
cinzas,
dentro 
da boca,
ouvidos,
renite.
Passado 
que queima
e arde.
Uma mentira
em cima
da outra.
Gritos e ódio
espumam
no canto 
da boca
na bola 
dos olhos
na mão 
de ferro
na boca
do estômago
na cara 
de nojo
na ânsia 
de vômito
no olho 
de gato
na cabeça 
de vento
na raiva surda
Nas meias 
verdades
nas meias 
palavras
no meio 
termo
no meio 
fio
paixão 
meia boca.
Gracejo,
lascivo,
desejo,
indeciso
um balde
de cuspe,
na minha
cara.


asb

21 de junho III



O inverno ainda não tem uma semana.
Muito embora foi um ano de frio que não passa.
Muito embora aconteceu.
Muito embora se doeu.
Há quase cinco anos que me engana
Faz que vai e fica, Morana.

Folhas pastéis
Poeira que estrala sob os pés.
Sequidão de estio
A vida por um frio.
Morana, maldita
Já te vi, escondida

É inverno já no meu nariz.
Veja, Morana, é de novo frio seco.
É domínio de teu reino desencantado.
É desandar contigo pra todo lado.
Mudou de estação e nem se fez cicatriz.
É violão no canto quieto.

Jadis, minha desgraça gelada,
Minha madrugada calada.
Minha neblina de constipação.
Ossos secando no chão.
É inverno de novo, silêncio azulado.
É viver de mentira, verbo não conjugado.

asb

segunda-feira, 22 de abril de 2019

Nênia


Não faz nada que presta!
Não se veste como um homem da sua idade!
Vagabundo!
Covarde!
Seu porrrra! (em boa consoante vibrante múltipla alveolar)
Vai pro quinto dos infernos!
Bundão!
Inútil!
Idiota!
Infantil!
Queria me ver? Já me viu? Agora vá embora!
Irresponsável!
Você não resolve nada!
Você não vai fazer nada!
Babaca!
Criança!
Lerdo!
Cachorro adestrado!
Capacho!
Tetudo!
Você não está insuportável, você é insuportável!
...mas calma, cara, você é especial.

ASB



Inverso

Ninguém quer te ver hoje.
Esquece!
Ninguém vai respeitar hoje,
Quem tem medo de arriscar
Quem não assume as dores
Quem não assume amores
Quem não assume desgraças
Ninguém quer te ver hoje
O ar está azedo
Onde toca, onde respira
Onde fala
Ninguém quer saber hoje
Mas ai de ti, se o contrário fizer.

ASB

quinta-feira, 11 de abril de 2019

Esmigalha


Pro sentimento honesto
Asa pra cobra
Só resto
Fica sobra

Pego minha cangalha
de burro lento
Vou comer migalha
Nissin lamento

Igual Maria, igual João
pra bússola quebrada,
migalha de pão,
pro fim da estrada
berro e humilhação.

Ficar só com o farelo da atenção
Traçando paralelo de amor temporão.

Ganhar a corrida pra no final
Ver que feliz era quem fez o caminho
Bufando igual um animal
Fazendo banquete de passarinho.

ASB






Respiral

Hoje sentia no estômago o que não era amor
Nem lirismos
Era uma ânsia
Dessas de ódio
Dessas de saudade
Não de ausência
Não da falta
Dessa de não ser nada tentando ser eu.
Perdido nessas setas
Nessas placas
Sim, tinha o que eu já previa.
O que era errado
O que estava certo
O que erra procura culpado
O que era procurado não estava errado
Mas não foi encontrado na sua vida nova
Nem na minha vida torta
Quanta estupidez!
Quanto sal!
Novidade nenhuma
Nos móveis cheirando madeira velha
As cores na tua estante continuam as mesmas
Fui só eu
Fui eu só
Em espiral
Em suspiro e tal
Em piegas fumaça
Saio sem fim nem final
Palmas!
Eu arranco do peito com cuidado
Pra não rasgar mais
Pra sangrar menos
Pra morrer por último.

ASB

Um Sonho dentro de um Sonho


Tome este beijo sobre tua fronte!
E, desvencilhando-me de ti agora,
Permita-me confessar -
Não erras, ao supor
Que meus dias têm sido um sonho;
Ainda se a esperança esvaiu-se
Numa noite, ou num dia,
Numa visão, ou em nenhuma,
Tudo aquilo que vemos ou nos parece
Nada mais é do que um sonho dentro de um sonho.

Permaneço em meio ao bramido
Da costa atormentada pelas ondas,
E seguro em minha mão
Grãos dourados de areia-
Quão poucos! e contudo como arrepiam
Por entre meus dedos às profundezas,
Enquanto choro-enquanto choro!
Oh Deus! não posso eu segurá-los
De punho mais firme?
Oh Deus! não posso salvar
Um único da onda impiedosa?
Tudo aquilo que vemos ou nos parece
Nada mais é do que um sonho dentro de um sonho.


Edgar Allan Poe