terça-feira, 12 de março de 2024

Do fundo

 


No fundo, mas nem precisou cavar tanto. Uma luz corta essas nuvens de chumbo. Datas, reminiscências ainda doces, ainda com perfume de novo. Injusto que fui, no afã dos primeiros cantos dum sabiá, descuidado, estabanado... Uma bifurcação, taquicardia, euforia. Dois mundos orbitando no tempo.

Jovem demais, leviano demais, indigno dos tesouros ali no fundo.

               Mas nem precisou cavar tanto.


quarta-feira, 16 de agosto de 2023

21 de junho 2023



Um atraso quase surdo, piúva já faz tapete.

Um solstício, um desperdício, não me compete.

Poeira fina que irrita, sequidão de estio.

Suja, entranha, vento de assovio.  


Imanência de piúva ficar calado,

Estações inteiras parado.

Se possível, florescer,

Para logo depois forrar o chão e descer.



quarta-feira, 22 de junho de 2022

21 de junho V






Não amedronta mais, Morana

Teu hálito já é familiar.

Teu cheiro azulado veio cortar.

Já não faz medo, já não faço drama.


Deixa vir a secura desse inverno escuro,

Enquanto a pele se rasga.

Entrei no tom errado, rima rasa.

Inda falta muito julho!


O ar permanece lâmina,

Quarto imóvel sem lâmpada,

Acabou a luz palaciana,

É só in(f)verno que inflama.


Do alto duma flor de ipê, no frio nasceu,

 No cinza da paisagem.

Encanta, tão linda, tão distante, tão de passagem.

Deixou a noite mais fria e morreu.


Fiz nem fogueira, fiz nem calor,

Serve nem pra adorno, 

Arranca logo o que resta de flor,

Mata logo, Morana, o que ainda é morno.


segunda-feira, 4 de abril de 2022

O domador




 Desrespeitável público,

Hoje o grande homem estrume, 

o homem sem memória, 

o incrível desequilibrado!

Hoje alegria não entra!

Hoje o esforço não paga.

O engolidor de choros, 

O contorcionismo para parecer o que não é,

Não é homem, não é seguro, 

é desprezível, é bizarro, é raro,

está sempre na corda bamba!

Desrespeitável público, 

o abominável homem sem peito!

o incrível malabarista sem gravidade!

Senhoras e senhores, 

uma fluoxetina para o palhaço, por caridade!

sexta-feira, 31 de julho de 2020

21 de junho IV



Atrasou quase dois meses, mas lá no fundo/aqui no fundo, sem cavar muito, eu sabia que voltaria.
Demorou bastante e eu vivi bem sem ti nesses dias de trégua.
Sabia que voltaria: estalando vento seco, arrastando folhas crépidas no quintal, empoeirando superfícies, deixando pés como de defunto.
Voltou em vento que corta, veio montada no homem da lei esfregando sua riqueza na minha cara.
Eu sabia que voltaria com mala cheia, com bagagem de quem vem para ficar, como sempre fizera a cada vez que o sol se põe laranja e a tarde é de um azul profundo, surdo e lerdo.
É a dor de um corte de folha de papel no dedo. Dói de contorcer e cerrar os dentes, mas é dentro, não sai sangue, não tem hematoma. Os lábios ressecam, a boca cala, os olhos perdem o foco... não há cobertor que chegue.
Pro inferno com seus pássaros! 
Se foram as folhas, os cabelos, o vigor que agora é apenas o sol cadavérico da manhã fria; raio que não chega aqui no fundo.

domingo, 1 de março de 2020

Paroxetina para o picadeiro





Monossílabo. Piada sem graça para rir; rir de desprezo/compaixão/piedade.
É constrangedor e risível/razoável.
Comédia romântica.
Calejou. Criou couraça/pela grossa/áspera/estúpida.
Sob derme, sobre verme.
Escrever liberta.
Sê livre! Não bato mais na tecla/na mesa.
Paroxetina para Pierrot.
Palhaço dentro do Olimpo.
Minha poesia sai no xixi.
Bichinho de estimação, deste se tem mais estima, mais consideração.
Ele tem uma liberdade.
Meu cavaleiro das armas escuras não basta.
Virou piada com a espada sanguenta na mão.
Paroxetina profícua.
Fluoxetina pra palhaço.
Paroxítona morte.
A febre que nunca descansa.
Oxítona que tem fé. Esvazia minha xícara.
A boca abre e o peito fala.
É amanhã, de novo.
Já deveria ter acabado.

segunda-feira, 16 de setembro de 2019

Nicles

Em grau nenhum
Jamais
Em momento algum
Nicles
De modo algum
Patavina
De maneira alguma
Nada
Nunca
Está bom

asb

domingo, 15 de setembro de 2019

3 dias

Eu prefiro te chamar de pressão alta, dor de cabeça, crise renal ou qualquer coisa que evite os outros perguntando sobre o que você faz, minha desgraça.
Eu prefiro passar o final de semana todo entocado a deixar à mostrar as olheiras pretas, as rugas fundas, os cabelos ralos, os quilos e as marcas até na barba que você deixa, Morana.
Eu prefiro falar que não foi nada do que ter que desatar esse carretel que nós dois juntos entrelaçamos.
Eu prefiro pensar que morrer em breve pode cessar a vergonha de ter me tornado um menos na escala de nada na vida e sei que você se ri disso, Morana, a cada vez que me joga na cara os policiais, o engenheiro, o gerente, os advogados, o bombeiro...
Que inferno, Morana! Não há sequer três dias de trégua! É toda semana isso!
Enquanto isso o corpo deixa fora as marcas de dentro como pontas do iceberg que cá dentro gela, cresce, queima, adormece e sufoca.
Eu prefiro fazer com que pensem que sou bom músico, bom moço -  pois ainda há quem possa ser engodado por essa visão sem notar o bolor preto que tua umidade causou.
Sem trégua, sem piedade... eu prefiro acreditar que morrerei por tua causa e junto a ti, sem jamais ter no mínimo três dias de trégua.

quarta-feira, 26 de junho de 2019

Fuligem



Cinza e fuligem
dos restos
de ontem
Tampa a coragem
Da vida
da fome
Fuligem
voando,
fugindo,
por todos 
os lados,
correndo.
cinzas,
dentro 
da boca,
ouvidos,
renite.
Passado 
que queima
e arde.
Uma mentira
em cima
da outra.
Gritos e ódio
espumam
no canto 
da boca
na bola 
dos olhos
na mão 
de ferro
na boca
do estômago
na cara 
de nojo
na ânsia 
de vômito
no olho 
de gato
na cabeça 
de vento
na raiva surda
Nas meias 
verdades
nas meias 
palavras
no meio 
termo
no meio 
fio
paixão 
meia boca.
Gracejo,
lascivo,
desejo,
indeciso
um balde
de cuspe,
na minha
cara.


asb

21 de junho III



O inverno ainda não tem uma semana.
Muito embora foi um ano de frio que não passa.
Muito embora aconteceu.
Muito embora se doeu.
Há quase cinco anos que me engana
Faz que vai e fica, Morana.

Folhas pastéis
Poeira que estrala sob os pés.
Sequidão de estio
A vida por um frio.
Morana, maldita
Já te vi, escondida

É inverno já no meu nariz.
Veja, Morana, é de novo frio seco.
É domínio de teu reino desencantado.
É desandar contigo pra todo lado.
Mudou de estação e nem se fez cicatriz.
É violão no canto quieto.

Jadis, minha desgraça gelada,
Minha madrugada calada.
Minha neblina de constipação.
Ossos secando no chão.
É inverno de novo, silêncio azulado.
É viver de mentira, verbo não conjugado.

asb

segunda-feira, 22 de abril de 2019

Nênia


Não faz nada que presta!
Não se veste como um homem da sua idade!
Vagabundo!
Covarde!
Seu porrrra! (em boa consoante vibrante múltipla alveolar)
Vai pro quinto dos infernos!
Bundão!
Inútil!
Idiota!
Infantil!
Queria me ver? Já me viu? Agora vá embora!
Irresponsável!
Você não resolve nada!
Você não vai fazer nada!
Babaca!
Criança!
Lerdo!
Cachorro adestrado!
Capacho!
Tetudo!
Você não está insuportável, você é insuportável!
...mas calma, cara, você é especial.

ASB



Inverso

Ninguém quer te ver hoje.
Esquece!
Ninguém vai respeitar hoje,
Quem tem medo de arriscar
Quem não assume as dores
Quem não assume amores
Quem não assume desgraças
Ninguém quer te ver hoje
O ar está azedo
Onde toca, onde respira
Onde fala
Ninguém quer saber hoje
Mas ai de ti, se o contrário fizer.

ASB

quinta-feira, 11 de abril de 2019

Esmigalha


Pro sentimento honesto
Asa pra cobra
Só resto
Fica sobra

Pego minha cangalha
de burro lento
Vou comer migalha
Nissin lamento

Igual Maria, igual João
pra bússola quebrada,
migalha de pão,
pro fim da estrada
berro e humilhação.

Ficar só com o farelo da atenção
Traçando paralelo de amor temporão.

Ganhar a corrida pra no final
Ver que feliz era quem fez o caminho
Bufando igual um animal
Fazendo banquete de passarinho.

ASB






Respiral

Hoje sentia no estômago o que não era amor
Nem lirismos
Era uma ânsia
Dessas de ódio
Dessas de saudade
Não de ausência
Não da falta
Dessa de não ser nada tentando ser eu.
Perdido nessas setas
Nessas placas
Sim, tinha o que eu já previa.
O que era errado
O que estava certo
O que erra procura culpado
O que era procurado não estava errado
Mas não foi encontrado na sua vida nova
Nem na minha vida torta
Quanta estupidez!
Quanto sal!
Novidade nenhuma
Nos móveis cheirando madeira velha
As cores na tua estante continuam as mesmas
Fui só eu
Fui eu só
Em espiral
Em suspiro e tal
Em piegas fumaça
Saio sem fim nem final
Palmas!
Eu arranco do peito com cuidado
Pra não rasgar mais
Pra sangrar menos
Pra morrer por último.

ASB

Um Sonho dentro de um Sonho


Tome este beijo sobre tua fronte!
E, desvencilhando-me de ti agora,
Permita-me confessar -
Não erras, ao supor
Que meus dias têm sido um sonho;
Ainda se a esperança esvaiu-se
Numa noite, ou num dia,
Numa visão, ou em nenhuma,
Tudo aquilo que vemos ou nos parece
Nada mais é do que um sonho dentro de um sonho.

Permaneço em meio ao bramido
Da costa atormentada pelas ondas,
E seguro em minha mão
Grãos dourados de areia-
Quão poucos! e contudo como arrepiam
Por entre meus dedos às profundezas,
Enquanto choro-enquanto choro!
Oh Deus! não posso eu segurá-los
De punho mais firme?
Oh Deus! não posso salvar
Um único da onda impiedosa?
Tudo aquilo que vemos ou nos parece
Nada mais é do que um sonho dentro de um sonho.


Edgar Allan Poe

segunda-feira, 26 de novembro de 2018

Cathartidae


No inseto um chão morto.
Poeira, porto.
No chão um inseto torto
Do quarto sem vida.
Morte de morte morrida.
Cheio de formiga.

Voa baixo
Aqui em cima
Cheiro de morte,
Desleixo
Deslixo

Na morte
E na merda

Sujeira
Em cima da cama
Dentro do violão
Besteira
Drama
Violência.

Camisetas
Bermudas
Fedendo
Sapatos ímpares
Por todos os contos.

Não funciona
Não faz diferença
Alguém disse:
"Você se esconde atrás da doença".

alexsandrobambil

sexta-feira, 16 de novembro de 2018

Vertiginosa




Caí
Bati as costas
Na lata do lixo
Feito um saco de bosta
Morte de bicho.

Caí
bati a cabeça
que já não ajuda
na quina da parede encardida
na queda livre sem curva
na sua desmedida.

Caí
Foi a gravidade
num lugar fedendo
qual estou vivendo
chão de autopiedade

Caí
Só não foi na real
Foi de sarcasmo seu
dor muda de animal

Caí
antes tivesse subido.
pior que curiosos olhando
pior que você esquivando
foi ter levantado vivo.


AlexSBL

quarta-feira, 3 de outubro de 2018

Quando ela se vai


Quando acordei ela não estava aqui.
Morana partiu da mesma forma que chegou: soturna, sem aviso, sem cerimônia.
Com ela se foi a prostração da alma.
Levou consigo horas de mortificação, de desalento, horas a fio que não terei volta.
Levou sua amiga de gadanha em punho.
Olho para a tela preta e não a encontro.
Procuro na gaveta desarrumada e ali o reflexo da desordem desses dias.
Aslan me retoma, me arruma a bússola, os planos engavetados têm novamente cheiro de novo.
Na porta, retrato, duas flores que cintilam esperança, dois doces de se tirar o amargo.
Café da manhã com gosto de comida, sou inteiro outra vez, faça da espera, caminhada, outra vez.
Descanso com recompensa.
Vida a cada toque do sol.
É no sorriso de duas flores que a vida vibra pisando duro no chão, o que tenho é raro!

quinta-feira, 27 de setembro de 2018

Quando ela chega




Quando Morana chega eu nem sempre vejo, mas sua presença é inconfundível.
Ela chega vestida de todas as cores, mas todas de uma só vez, convergindo no mais pálido preto.
Morana devagar, no canto do meu olho, repousou sobre a janela e eu fingi que não a via.
Li um livro, liguei os alarmes, fechei a TV, desliguei a janela mas ela vem se eu quiser ou não; fiz um café, li uma música, me fiz de ocupado - num dia de chuva escorrendo com preguiça, num dia de sol e flor lilás, sem avisar, ela vem - e quando ela voltou fazia calor.
Quando Morana chega úmida e lenta, me inunda cada poro, toma cada cor para si, no piso de calor respiro dolorido um sangue pálido, não tenho nem porta para bater e ser atendido, nem para bater atrás de mim, apenas uma porta que me bate na cara. O piso do calor vira constipação e sons azulados longínquos.
Quando ela chega, senta-se no canto do quarto, sempre muda, sempre dona do ar, da razão, da emoção. Mastigo um remédio amargo e me deito com gosto de areia na garganta, 15 felicidades de plástico numa cartela metálica.
Quando ela chega não fala e deixa, sob sua mira, qualquer palavra dentro do travesseiro. Quando Morana dorme comigo, a cama não é repouso, as costas não saem do lugar, os olhos escorrem sem esforço, sem cerimônia... quando ela dorme comigo, lençol é mortalha, sono é batalha, travesseiro é navalha. Nem ser, nem vivo.
Quando ela chega faz dos dias vadios, vazios, baldios. Ela sabe que estou quase pronto para viver sem comprimido e pra isso há repulsa, choro, preces, paredes, ódio e saliva. Às vezes ela vem só. Às vezes ela vem de vestido e gadanha. Às vezes vem só para fazer o melhor banquete ficar com gosto de isopor, às vezes só pra me fazer atrasar.
Minha autoestima, minha dignidade, minha alegria, cabem na palma da minha mão, mas não passam pela porta do quarto.
Ela me ameaça desabar o teto. Morana me pegou pela mão de noite, como uma mãe gentil, me conduziu, vi as águas turvas de cima, ela queria me à deriva quando de repente vi, no som surdo das águas batendo nas colunas, na face imunda das águas, duas flores que cintilam, dois doces de tirar amargo. E ela se foi, prometendo voltar, olhando de longe eu voltar com duas flores no peito que cintilavam esperança nos olhos.
Enquanto isso, luto para que luto seja apenas um verbo, sem saudade dela.

AlexSandroBambiL

sexta-feira, 14 de setembro de 2018

Não há perdão


Não há perdão
Para o amor insólito
Cotidiano insípido
Desgraçado cálido
Raiva de ímpeto
Não há perdão
Para o olhar pérfido
Para o adúltero de coração
Para o infeliz do crime
Para o sangue na mão
Não há perdão
Pra quem só deixa dúvida
Pro amor íngreme
Pro coração trôpego
Pra quem faz de seu amor último
Dor de sonâmbulo
Conversa de bêbado
Chega a ser física
A dor da traída
De um amor líquido
De um violão sem música
De um cálice pútrido
Não há perdão
Pra quem deixou
Um rastro fétido
De feridas vívidas
De morte sem antídoto
Não há perdão
Para um ser de miséria
Para a vergonha pública


quarta-feira, 8 de agosto de 2018

(res) Peito de aço

Ninguém respeita 
Quem não vai embora no primeiro grito.
Porque nunca ameacei te atirar
Nem tirar o corpo fora.
Nunca roubei uma bicicleta,
Nunca me droguei.
Porque nunca dei um tiro do seu carro
Nunca usei uma farda
Nunca tive um emprego decente
Ninguém respeita o fraco
Ao meio-fio 
Ao meio-dia
Em meia idade
Em inteira desgraça
Ninguém respeita quem quer se atirar
Com um pé no para peito
O outro na ponte 
Safena
De peito aberto
Lamuriando
Passado em branco
Noite em claro






sexta-feira, 20 de outubro de 2017

Pousa



Sem norte
Exagerada
Tonta
Desregrada
Fim de noite
Notívaga
Bate no canto
Do teto
Na pá
Do ventilador
Sem noite
Circula
Na boca
Do estômago
Rodopia e se machuca
A mariposa
Sem nota
Quebra asa
Arrebenta o corpo
Atraída
Suicida
Pela luz artificial

Que mata



Assim falou AlexSandroBambiL

sábado, 19 de dezembro de 2015

Esgotado



Esgotou
que ouço
que vi
Pra baixo da pia,
Na água do banho
Lavagem de roupa suja
Esgoto a paciência
O suspiro de contenção
Esgota tudo
É a gota
Pichando a galeria
Com ratos sujos
Com rotos panos
Com rostos débeis
Baratas cegas
Me ralo
Me fossa

Me esgoto!

AlexSandroBambiL

domingo, 21 de junho de 2015

21 de junho [2]



Resolverá. Pouco sonoro. Muito sombrio.
Igual meu urutau,
Abrirá, antes de acender a luz
A porta dos versos, das notas menores, dos pés frios,
Do som azul escuro.
Penumbra de quarto.
Sons lentos, passos arrastos, chás mornos, chamas laranjas, soluços descalços,

Cafés

Recém

Passados

Espelho embaçado, fumaças cansadas,     Constipação...
Espero o ano todo.
Sol que não aquece
Vento navalha
Luzinha morrendo
Lápis desapontado

Morreu, semana passada, de calor intenso e fome matada os versos sonsos
Do último 21 de junho
Morreram em agonia de caneta
Em agoniza de poeta
Em dedos rijos de pestana
Seguro com duas mãos o café dono da fumaça...Olho de coruja e vidro
É barroco
Claro e escuro
Cíclico escondido no casaco cheiro de mofo
Decaído solstício num espaço com fogo.

Nem rosa nem resposta.
Diferente igual todos os ciclos.
Eu deixo o frio vibrar devagar, tudo manso.
Eu deixo os móveis encolherem e estalar.
Escolherem partir ou ficar.
Prendo o ar gélido em respiração lenta.
Hirto...
Sem palheta.
Sem calor
Sem sentido
Sem suor.

AlexSandroBambiL

quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

DO POR QUE EU CURTO O BÁTIMA


Perdão mais uma vez pela formatação, caros (as) leitores (as), o texto foi originalmente publicado no Faceburguer depois trazido para cá.



Encontraram um estojo do Batman perdido na escola onde trabalho. A “tia” inspetora chegou até a sala dos professores e perguntou:

- Alguém sabe de que aluno é este estojo?
Feliz ao saber que alguém havia encontrado meu estojo, levantei a mão e disse:
-É meu!
Meus colegas riram e alguns alunos depois de ver meu sensacional estojo do homem morcego perguntavam:
-Mas é seu mesmo?
Além do estojo, tenho um bóton com o símbolo deste super-herói na correia da minha guitarra e na verdade, apesar de alguns pensarem que sou um daqueles fãs que têm a primeira revista em quadrinhos num baú lacrado, que tem um pôster enorme no quarto, que acompanha a todos os filmes e tem uma vasta coleção de bonecos, sou, na verdade, um admirador do Sr. Bruce Wayne.
Admiro a humanidade do Cavaleiro das Trevas e acabo de certa forma me identificando com esta humanidade latente por trás do mito.
As inúteis notícias nos sites de fofoca e revistas destinadas a este fim (bizarro) revelam esta busca humana pela fraqueza, pela humanidade, pelo lugar comum a todos os seres humanos de onde saíram estes seres famosos. Parece haver uma constante busca por saber o que torna alguém famoso. Por que o fascínio em ver seu ídolo jantando ou num affair com qualquer outro ser mortal? O que há de tão fascinante em algum ator tomando açaí e passeando na orla de Copacabana? Parece haver na maioria de nós o desejo de ser mais do que a condição humana permite, mas ao mesmo tempo, há também o desejo de encontrar um defeito, a polêmica, a fraqueza, a Kryptonita de quem aparentemente se achegou a um lugar superior nesta existência terrena e por conta do conceito que tem de si ou do conceito que o fizeram acreditar acerca de si, se tornou famoso, rico, tem a família perfeita, não erra, não fica careca e barrigudo, não recebe cartas de cobranças, não tem sua saúde abalada por problemas na família, não peca...
Admiro Batman e seu alter ego por não ser um super-herói que foi geneticamente modificado, não veio de outro planeta, não foi picado por nenhum inseto geneticamente modificado, não é filho de deuses, não invoca ajuda dos mortos, não tem poder sobre nenhum elemento da natureza, voa mas voa como uma galinha! Não tem sequer um “super raio que o parta”... Ele é (como diria Nietzsche) “humano, demasiado humano” (Nietzsche que foi o primeiro a criar o termo “Super Homem” - mas isso aí dá outro texto, outro estudo, outra treta filosófica e não quero parecer pedante nem prolixo apesar de... enfim... é a mania academicista de justificar tudo, caros leitores).
Ao contrário da maioria dos super-heróis, na face do homem morcego não cabe uma piada. É um gentleman casmurro. Introspecto. Bem falante de poucas palavras, preocupado com os desamparados, polido, diplomático. É um herói antes de tudo sobre seus próprios medos e exatamente por isso escolheu a imagem de um morcego - a imagem que tanto o atormentava em sua infância.
Entretanto, só nós e Alfred sabemos quão infeliz é o homem que salva Gotham de suas mazelas: Luta muito bem contra vilões mas é um romântico mal resolvido, possui motos, carros, engenhocas caríssimas e muita grana mas vive só; Combate vilões que afrontam a linha tênue entre ser herói e ser humano; tem máscara, capa, habilidades, não usa arma, resolve tudo na força de seu braço, tem um cinto de super-herói, fama, força, coragem, respeito... mas Batman não poderia sequer entrar na escola do Professor Charles Xavier. Não está entre os mais admirados das crianças, não está entre os que vestem vermelho e azul, não foi convidado para estar entre os vingadores... O homem morcego está o tempo todo batendo com a cara no inegável fato de que é humano! Que tem sono, cansaço... Oh Batman! O que seria de um filme com você tendo que parar aquele carrão para “tirar uma água do joelho!”(?)
Mas ainda assim "humano, demasiado humano" ele segue sendo herói. E Gotham confia e precisa dele.
E pensar que aquele que teve motivos de se sentir completamente superior à condição humana por ser filho de Deus, não teve por usurpação ser igual a Deus (Filipenses 2:6). Quis ser gente assim como gente deve ser.
Descobri que não sou super nada! Posso até ter uma capa, usar todas as máscaras que usei e que vez em quando inda tenho de reserva. A capa do super-cristão, super-pai, super-profissional, super qualquer coisa que eu quiser. Mas o que me dá força e poder, o que me dá resistência e coragem, o que me dá sustento além das forças que se acabam no final do expediente é a graça que foi liberada numa cruz. Não para que eu fosse mais que ninguém. Não para me encher de “autoridade” acima de ninguém por ser “superespritual”. Mas graça de ser gente. Ser humano que erra e acerta; que vence e perde, que olha a queda alheia com os olhos de quem se espatifou no mesmo chão, que tem bom humor e rabugice, que quando perde sabe que isso faz parte dessa vida e que tudo não se resolve no próximo capítulo só porque eu teria o poder de me reconstituir.
Graça que me faz olhar pra minha vida e ao invés de perguntar “o que eu fiz?” me faz perguntar: “O que pode fazer por mim?” – e Ele pode... sempre pode... e não se assusta quando enxerga minha podridão. Ele sabe que por trás das minhas máscaras caídas ao chão, há um espírito pronto a ser tratado todos os dias. Minha capa não O impressiona, meus atos de herói e de bandido também não, pois quem se despojou de toda sua glória e se fez homem sabe que ainda aqui em mim, este espírito habita num corpo humano...demasiado humano. Sem nervos de aço nem sem ossos de adamantium.
Santa humanidade, Batman!



AlexSandroBambiL

domingo, 11 de maio de 2014

Tudo que eu poço



No fundo, 
É superficial tudo o que eu fosso, 
No fundo não posso.
No fundo, tudo o que faço
É anacrônico e remoto
Boçal esboço 
Mal escrito e bem escroto
Do que deveria ser 
E não foice.
No fundo, 
Logo ali é lodo, 
Tudo é mais limbo,
Mais escasso
No fundo 
É sem água e maremoto 
O que falo é esgoto, 
Tudo canhoto, 
Roldana rota
De rota torta
Derrota certa
Superficialmente profundo
Humor de mofo.
É fossa!
E tosco
É soco 
No olho da cara
Na boca do estômago
Pro fundo.

AlexSandroBambiL

domingo, 9 de março de 2014

terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

sábado, 22 de fevereiro de 2014

terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

sexta-feira, 31 de janeiro de 2014


Fica tudo diferente quando a pausa aperta (ASB)

quinta-feira, 30 de janeiro de 2014


Apartem os sintos muito (ASB)

DES
perto suficiente
pra continuar
L  O  N  G  E
(ASB)

(Me martele seu julgamento quando sua vida for um exemplo!)

quinta-feira, 3 de outubro de 2013

UMA GERAÇÃO DE SEM-GRAÇAS


perdoe a formatação do texto, foi publicado primeiramente no Facebook e transferido para cá.

            Quando fazia algo de errado ou que, na maioria das vezes apenas eu achava engraçado, minha mãe dizia que eu estava sendo sem graça, ou fazendo “semgraceira”. Criança respondendo aos pais era uma semgraceira; gritar era uma semgraceira; criança se jogando no chão do supermercado era uma semgraceira e fazer semgraceiras na escola era algo digno de várias varadas com galho de goiabeira dentre as mais variadas modalidades de se apanhar, cultivadas em abundância quando eu era criança.
         Na escola, eu era orientado por meus pais a ficar longe dos sem-graça. Gente que não fazia tarefa, respondia professor, falava palavrão... esses eram sem-graças e eu não deveria andar com eles. A impressão que tenho, é que há não muito tempo atrás, enquanto ia à escola, os sem-graças eram poucos, ou ainda, contidos. Hoje eu estou do outro lado da carteira, sou professor, e me parece que surgiu, de repente, toda uma geração de sem-graças mais forte e em maior número que os raros não-sem-graça. E sim, minha mãe ainda não me quer junto aos sem-graça e já me sugeriu trocar de profissão. Este texto, caro (a) leitor (a), era pra ser um vídeo. Era pra ser mais bem humorado. Mas ao recolher material suficiente para isso, comecei a reparar que a condição do professor não tem a menor graça... Este é um texto sem graça e você ainda está em tempo de parar sua leitura por aqui! E acabei preferindo um texto a um vídeo, pois, bem sei que poucos o lerão. Gente que raramente passa por aqui apenas para comentar uns “kkkkkkkkkks” vez em quando, dificilmente lerá este texto até o final. É mais comum notícias de alunos rebaixando seus mestres em todos os níveis, fotos no Facebook com as legendas de “aula saco”, depreciações públicas da figura do professor do que professores surtando e virando a mesa. Se este é meu primeiro texto que você lê, não se escandalize; tenho o humor nordestino correndo cá nas artérias, tenho a “alegria do Senhor”, que é minha força e, não obstante, sou grande admirador do humor satírico inglês, mas escrevo sobre uma piada que é um beócio.
        Honestamente, em algumas escolas parece que vejo crescer a geração mais parva, desrespeitosa e gratuitamente arrogante que meus olhos já viram e, pra ser mais honesto, isso me deixa com medo da minha velhice! (Não quero chegar ao mesmo nível, mas, caso tenha achado pesados demais os adjetivos, talvez não saiba o que já ouvi em sala de aula sobre meus colegas de trabalho e sobre mim mesmo). Parece ser muito engraçado ter alguém que fica solitário, num eterno “Todos contra um” como objeto de piada e zombaria. Parece que a depreciação do professor em sala de aula se tornou um hobbie, um entretenimento necessário e indispensável para o cotidiano de quem está na escola para qualquer outro fim que não seja estudar.
        Hoje, no mesmo dia em que escrevo este texto, percebi que cometi um erro terrível: Dei aula. Pois é - Era a segunda vez em que entrava em uma sala para dar aula e lá havia uma aluna que ainda não me conhecia, pois havia faltado na primeira aula. A título de informação, estou falando de alguém entre seus 25 ou 27 anos – lá parti para o giz, quadro, quando ouço alguém dizendo:

- Oi... alô... qual era o nome daquela cor que você pintou meu cabelo? 

         Quando olho para trás, havia alguém ao celular. Uma outra aluna ao celular perguntando isso... num daqueles momentos em que você realmente demora a acreditar que está de fato acontecendo. Pedi para que desligasse e, depois de saber a cor, ela desligou. Passados alguns minutos, a primeira aluna que mencionei disse:

- Disseram que sua aula era legal... mas tô (sic) vendo que não é não! 
- Ah é?! Defina uma aula legal!
- Ah... o senhor deveria sentar aí, rir mais com a gente, conversar mais com a gente. 

       Enquanto ainda digeria esta última, passados uns cinco minutos, esta mesma aluna leva o celular a orelha e eu digo:

- Na minha aula não, por favor! 
- Vou embora! Você é um chato e sua aula é chata! 

          E foi aí que vivi um daqueles momentos em que você não sabe se chora ou gargalha como a Adele! A personagem não assistiu vinte minutos de minha aula, passou quase dez conversando do lado de fora, falou ao celular, não copiou toda a matéria e eu, que estava fazendo o que sou pago para fazer, estava dando uma aula chata, ou chata apenas por, de fato, ser uma aula.
           Apesar de com frequência ouvir que a educação brasileira está uma palhaçada, não me conformo com a ideia de tornar a sala de aula num picadeiro. Sei que a escola é um ambiente estressante sim, sei que há muito que temos que melhorar, tento proporcionar um clima descontraído em minhas aulas por conta disso, mas me tornar um animador de palco e contador do último capítulo da novela, não! Na última sexta-feira não consegui terminar uma aula, aliás, propositalmente terminei mais cedo por não aguentar mais uma vez uma onda de um deboche nojento, onde não me seria possível terminar a aula com uma severa rouquidão (ah, aqui neste caso falo de gente entre seus 16, 17 anos que decide o futuro do país nas urnas ). Um escárnio alarve de gente que chega meia hora atrasada e leva como material escolar apenas um celular, que faz pilhérias pornográficas sem pudor, que atribui ao professor a culpa por sua própria indisciplina, displicência e irresponsabilidade, que se revolta quando “tem muita matéria” e que sugere apenas “um trabalhinho” para garantir “uma notinha” - e vale lembrar, estou falando apenas de escolas de uma cidade do interior de Mato Grosso do Sul.
            Geralmente, por trás do professor que você vê, existe uma família. Geralmente a professora que você vê em sala tem um marido, deveres de esposa e filhos. Geralmente, o professor que você vê tem esposa, deveres de marido, e filhos. E, normalmente, a aula que você vê é apenas o produto final de muitas horas de trabalho que este profissional teve para aguentar um descomedido desinteresse. Ele tem contas a pagar, também sente raiva, antes da sua escola provavelmente já, no mesmo dia, lecionou em umas duas outras escolas, também tem dor de cabeça, também pensa nas grosserias que ouviu e quando vocifera e grita, é porque já ouviu e tolerou muitas outras chocarrices bizarras antes do estopim chegar ao fim. “mimimi, mas você nunca fez nada com professor?” – Sim! E quem me conhece sabe que sou exímio imitador dos professores que tive e, se algum dia faltei com respeito a algum deles, nunca foi durante nenhuma aula.
             Ainda sou um professor verdolengo, ainda há muito o que aprender. E ainda estou nessa porque realmente acredito que a educação pode transformar vidas. Porque sinceramente acredito nos não-sem-graça que chamam a responsabilidade pra cima do peito e encaram seus deveres com seriedade, que frequentemente têm na boca coisas como “com licença”, “obrigado”, “por favor”, que não estudam só na escola e que trazem consigo a educação que os acompanha desde casa. Certa vez uma colega de trabalho me disse:

- Iiih Alex... Tem coisas que faço de conta que não estou ouvindo nem vendo. 

     E odiei a faculdade por não ter me ensinado esta habilidade. Ou seria esta habilidade adquirida/desenvolvida com o tempo? Será que o problema é se importar demais com alunos e pais (ah sim, os pais) que deliberadamente não se importam? Será que, para manter a paz, conservar o que sobra de sanidade e saúde é necessário apenas sentar e ver o circo dos sem-graça pegar fogo?
Somos uma autoridade na escola e na sociedade.
Uma autoridade como Cabo Citonho diante de Frederico Evandro!
Acho injusto considerar a educação pública brasileira uma palhaçada, pois se vê no picadeiro muito mais respeito e reconhecimento pela profissão do palhaço.
 Alex Sandro Bambil - esse professor chato!