segunda-feira, 22 de abril de 2019

Nênia


Não faz nada que presta!
Não se veste como um homem da sua idade!
Vagabundo!
Covarde!
Seu porrrra! (em boa consoante vibrante múltipla alveolar)
Vai pro quinto dos infernos!
Bundão!
Inútil!
Idiota!
Infantil!
Queria me ver? Já me viu? Agora vá embora!
Irresponsável!
Você não resolve nada!
Você não vai fazer nada!
Babaca!
Criança!
Lerdo!
Cachorro adestrado!
Capacho!
Tetudo!
Você não está insuportável, você é insuportável!
...mas calma, cara, você é especial.

ASB



Inverso

Ninguém quer te ver hoje.
Esquece!
Ninguém vai respeitar hoje,
Quem tem medo de arriscar
Quem não assume as dores
Quem não assume amores
Quem não assume desgraças
Ninguém quer te ver hoje
O ar está azedo
Onde toca, onde respira
Onde fala
Ninguém quer saber hoje
Mas ai de ti, se o contrário fizer.

ASB

quinta-feira, 11 de abril de 2019

Esmigalha


Pro sentimento honesto
Asa pra cobra
Só resto
Fica sobra

Pego minha cangalha
de burro lento
Vou comer migalha
Nissin lamento

Igual Maria, igual João
pra bússola quebrada,
migalha de pão,
pro fim da estrada
berro e humilhação.

Ficar só com o farelo da atenção
Traçando paralelo de amor temporão.

Ganhar a corrida pra no final
Ver que feliz era quem fez o caminho
Bufando igual um animal
Fazendo banquete de passarinho.

ASB






Respiral

Hoje sentia no estômago o que não era amor
Nem lirismos
Era uma ânsia
Dessas de ódio
Dessas de saudade
Não de ausência
Não da falta
Dessa de não ser nada tentando ser eu.
Perdido nessas setas
Nessas placas
Sim, tinha o que eu já previa.
O que era errado
O que estava certo
O que erra procura culpado
O que era procurado não estava errado
Mas não foi encontrado na sua vida nova
Nem na minha vida torta
Quanta estupidez!
Quanto sal!
Novidade nenhuma
Nos móveis cheirando madeira velha
As cores na tua estante continuam as mesmas
Fui só eu
Fui eu só
Em espiral
Em suspiro e tal
Em piegas fumaça
Saio sem fim nem final
Palmas!
Eu arranco do peito com cuidado
Pra não rasgar mais
Pra sangrar menos
Pra morrer por último.

ASB

Um Sonho dentro de um Sonho


Tome este beijo sobre tua fronte!
E, desvencilhando-me de ti agora,
Permita-me confessar -
Não erras, ao supor
Que meus dias têm sido um sonho;
Ainda se a esperança esvaiu-se
Numa noite, ou num dia,
Numa visão, ou em nenhuma,
Tudo aquilo que vemos ou nos parece
Nada mais é do que um sonho dentro de um sonho.

Permaneço em meio ao bramido
Da costa atormentada pelas ondas,
E seguro em minha mão
Grãos dourados de areia-
Quão poucos! e contudo como arrepiam
Por entre meus dedos às profundezas,
Enquanto choro-enquanto choro!
Oh Deus! não posso eu segurá-los
De punho mais firme?
Oh Deus! não posso salvar
Um único da onda impiedosa?
Tudo aquilo que vemos ou nos parece
Nada mais é do que um sonho dentro de um sonho.


Edgar Allan Poe