sexta-feira, 19 de setembro de 2008

O Coveiro

Foto: Blog Tinta China - O blog da GRAFAR

Estava já havia uma hora na prazerosa atividade da leitura, lendo e deslendo sobre nada, e este nada lhe pesava as pálpebras. Furtivamente levantou-se e foi molhar o rosto na tentativa de afugentar de si o sono sorrateiro, fruto do cansaço que vem de noite; voltou com um ar renovado, até parecia que trocara as vestes, retornara com mais afã ao esconderijo do coveiro.
Fiquei no silêncio sepulcral das páginas corroídas e amareladas, entre ácaros e velhas traças, sob o olhar mórbido do coveiro bibliotecário. Levantei-me e, como não possuía naquela noite objetivos de leitura claros nem a mim mesmo, fui ao coveiro perguntar sobre um livro grande de fotografias pantaneiras que há muito não o via e, ele, com aquela vagarosidade spleen, parecendo “O Corvo” do Poe recitado à meia-noite no inverno, chovendo, com alguma música arrastada do Type O Negative de fundo musical, após um olhar para a pilha de livros que estava a sua esquerda, respondeu:
- Não está aqui, com aquela voz de mordomo sinistro do castelo; uma voz grave, porém fraca; era calvo, vivia com os óculos na ponta do nariz, era dono de um olhar lento, olhos de ressaca – por favor, sem dúvidas machadianas. Aqui refiro-me a ressaca de porre mesmo – contudo, nada escapava daquele olhar naquele ambiente de sussurros, intelectualidades, silenciosas leituras, ociosas leituras, sede de saber, pseudo-intelecualidades e lirismos comedidos.
Retornei com o livro de algum autor defunto nas mãos, decepcionado com o descaso do coveiro, eu estava, na verdade, fugindo de uma aula que me causava dores nos adjuntos abdominais; ao olhar para a janela do oráculo, com a alma alhures, fiquei a imaginar como seria se Gustavo Azuaga e eu tivéssemos, há algum tempo atrás, jogado aquele gato preto pela janela da biblioteca.
O plano era perfeito, o corredor estava solitário e o gato tinha o tamanho ideal para passar pela fresta da janela e cair no meio das grandes mesas de leitura. Porém, a poucos momentos da execução do plano, um vulto aparece acendendo um cigarro sabor câncer. Era ele: o coveiro, que aparecera em meio a fumaça do próprio cigarro; aquela fumaça lenta, como ele, parecia conhecer nosso intento de romper o silêncio e a harmonia no oráculo do universo pensante da sociedade.
Era o equilíbrio e a desordem, a teoria do caos bem ali. Todos ali, até a fumaça sabia a traquinagem academicista que estava por vir, ouso pensar que até o gato sabia, mas ficou tudo bem para o bichano, o coveiro jogou terra em nossa molecagem.
Fiquei escrevendo ao redor do sangue, lutando com palavras, imaginando crônicas, contos, romances, pensando em milhares de coisas que poderiam (ou não) serem feitas naquele momento, numa terrível dúvida digna de asno de Buridan, porém permaneci lendo e deslendo sobre nada, sob o olhar do coveiro bibliotecário, enterrando tesouros de reminiscências e tapando as covas que outrora eu mesmo cavei na alma.

Alex Sandro Bambil de Lima


2 comentários:

Anônimo disse...

^^ tem tudo a ver com o tiozinho da biblioteca^^ adorei a história^^
:)

dia iluminado!!!
ventinhos e ventos!!!
abraços!!

Nikaeelly disse...

Continua sendo meu preferido!❤️