segunda-feira, 14 de julho de 2025
Retina
Há noites em que a alma, envolta no sudário da memória, delira em febre com os fantasmas que criamos. E em delírio, pálida e constante, surge a face. Não a que o tempo talvez tenha esculpido, mas aquela que se gravou em minha retina, etérea, como uma aparição sob o luar.
Eras flor em meu ermo planeta. Chegaste com a soberba de quem se sabe única, com teus espinhos disfarçados de vaidade e tuas tosses delicadas que eram, no fundo, um desajeitado pedido de cuidado. Teu aroma prometia eternidades e tuas pétalas, de um rubor quase febril, pareciam conter todos os segredos de um amor que eu, em minha pueril impaciência, ansiava por desvendar sem antes aprender a cultivar.
Que tola soberba a minha! Eu me queixava do orvalho que pedias, do vento que temias, das palavras de afirmação que exigias como um tributo. Julgava espinhos como afrontas, tua frágil rotina como um fardo. Não via, em minha cega e arrogante imaturidade, que eram apenas o teu jeito tortuoso de me entregar ternura. Eu era jovem demais, jovem demais para compreender que o amor não se encontra nas palavras grandiosas, mas nos atos silenciosos de proteção; que cuidar de uma flor, com toda a sua aparente complicação, é a mais pura forma de declaração.
Fugi. Fugi não de ti, mas da responsabilidade que a tua beleza singular me impunha. Parti em busca de jardins, paisagens, para descobrir, com a amargura dos anos, que todas as outras flores, mais belas que fossem, não possuíam o perfume, nem a tragédia daquela que a vida me destinara. Eram apenas flores. Tu, não. Tu eras o mais puro lírio.
Hoje, a história de rosa e príncipe é um sepulcro de mármore branco que visito em noites insones. Um impossível não pelo destino ou por terceiros, mas porque o tempo que me deu a sabedoria para te amar é o mesmo tempo que nos fez estranhos. Aquele menino que partiu morreu há muito, e em seu lugar restou este homem que te compreende tarde demais. A porta não se fechou com um estrondo; apenas desceu como uma cortina de névoa, deixando um vazio infinito entre o que foi e o que a minha cegueira impediu. Tanto inverno n'Alma.
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